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Mostrando postagens de outubro, 2009

A Missa do Galo

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Autor: Machado de Assis (foto abaixo) NUNCA PUDE entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite. A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranqüilo, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fa

O sorriso da Monalisa

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Autor: Parsifal Pontes A primeira vez que eu vi a Monalisa fiquei decepcionado: um quadro pequeno, atrás de um vidro de segurança, em um corredor tumultuado do Louvre. A minha expectativa mostrou-se bem maior que a obra que eu acabara de ver. Acabei concluindo que a Monalisa, menos que uma obra prima, era mais um ícone precipitadamente escolhido pela mídia. Eu acalentava uma dúvida sobre quem houvera sido mais prodigioso, se Leonardo da Vinci ou Michelangelo Buonarroti : sempre que eu me decidia por Michelangelo, imediatamente procurava algo de Da Vinci e a dúvida voltava. Eu já tinha uma queda por Michelangelo, devido ao Moisés. Sempre que vou a Roma, não parto sem ir a San Pietro in Vincoli . Dentro da igreja eu experimento dor e êxtase: aquela ao fitar as correntes com as quais Roma submeteu o apóstolo Pedro; este ao admirar a obra magistral de Michelangelo, o Moisés . Saí do Louvre decepcionado, todavia aliviado: eu acabara de decidir que Michelangelo fora melhor que Leona

O tempo passa…

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Autor: João Jenidarchiche.   Aqui entre nós:   Você já leu “O Esporte” – “O Governador” – “Folha da Manhã” - “O Correio Paulistano” - “A Hora” – “O Pasquim” - “Tico Tico” “Noite Ilustrada” – “Folha da Noite” – “Notícias Populares” - “Revista do Rádio” - “A Cigarra” - “Realidade” - “ O Cruzeiro ”? Falando em Cruzeiro, lembra do Amigo da Onça?   A azia era tratada com Sal de Frutas ENO, ou com Sal de Uvas Picôt?   Já andou de Romiseta, de Lambreta, de Cadilac, de Pontiac, de Aéro Willys, de Fissori, de Vemaguete, de Doufini, de Gordine, de Simca Jangada, de Mércury, de Rabo de Peixe, de Packard, de Hudson, de Buick, de Nasch, de De Soto, de Simca Chambord, de Esplanada?   E de bonde, chegou a andar? Aquele aberto ou o camarão?   Juntou Figurinhas das Balas Futebol? Das balas seleções? E das balas Pão Duro? Você colava as figurinhas com Goma Arábica ou cola feita com água e farinha de trigo?   Tua bicicleta era Monark ou Bianchi?   Conheceu os Móveis de

O último discurso

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O texto abaixo é de autoria de Charles Chaplin e faz parte do filme, do mesmo, “O Grande Ditador”.     “Sinto muito, mas não pretendo ser imperador. Não é esse o meu ofício.   Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio...negros...brancos.   Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim: desejamos viver para a felicidade do próximo, não para o seu infortúnio.   Porque haveremos de desprezar e odiar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.   O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo a muralha do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios.   Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em

O jornalismo e o leviatã

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Eu fui um dos que critiquei o Presidente Morales quando este nacionalizou o gás boliviano, tungando a Petrobrás, em cerca de 01 bilhão de dólares.   A imprensa nacional teceu durar críticas a Lula por se ter deixado pegar desprevenido no episódio.   Só consegui ler um único artigo que fez uma análise pró Morales: foi escrito pelo jornalista Nunzio Briguglio, em 22.05.2006, e publicado no site ABC Politiko .   Embora eu discorde da maior parte do texto, transcrevo-o abaixo para que seja estabelecido o contraditório:   O jornalismo e o leviatã   Autor: Nunzio Briguglio Nestes tempos de individualismo, onde prepondera sobretudo a visão do “se dar bem, não importa a que preço”, um dos setores mais atingidos por uma onda ética e, sobretudo moral, é o jornalismo.   Não que em algum momento as redações de todo o mundo fossem verdadeiras ilhas de despreendimento, ou que o ego dos jornalistas fossem suplantados por um conceito de tal forma altruísta, que, afinal, pu

A Cabanagem

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Texto de Rainer Sousa - Graduado em História A questão da autonomia política foi, desde a independência, a grande força motriz motivadora de diversos conflitos e revoltas no Brasil.   Na província do Pará, a péssima condição de vida das camadas mais baixas da população e a insatisfação das elites locais representavam a crise de legitimidade sofrida pelos representantes locais do poder imperial.   Além disso, a relação conflituosa entre os paraenses e os comerciantes portugueses acentuava outro aspecto da tensão sócio-econômica da região.   A abdicação de Dom Pedro I e ascensão do governo regencial estabeleceram a deflagração de um movimento iniciado em 1832.   Naquele ano, um grupo armado impediu a posse do governador nomeado pela regência e exigia a expulsão dos comerciantes portugueses da província.   No ano seguinte, Bernardo Lobo de Sousa, novo governador nomeado, administrou o Pará de maneira opressiva e autoritária. Desta maneira, abriam-se tensões e a po

O trabalho desencantado

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    "O capital não precisa mais e precisará cada vez menos do trabalho de todos"   Leia um trecho do livro "Misérias do Presente, Riqueza do Possível", do sociólogo austríaco André Gorz, lançado pela Editora Annablume .   1. O mito do elo social   Vivemos a extinção de um modo específico de pertencimento social e de um tipo específico de sociedade: aquela que Michel Aglietta chamou "sociedade salarial" e Hannah Arendt, "sociedade do trabalho" ("Arbeitsgesellschaft"). O "trabalho" pelo qual se pertencia a essa sociedade não é, evidentemente, o trabalho em seu sentido antropológico ou filosófico. Não é nem o trabalho do camponês que labora seu campo, nem do artesão que realiza sua obra, nem aquele do escritor que trabalha seu texto ou do músico que trabalha em seu piano. O trabalho que desaparece é o trabalho abstrato, o trabalho em si, mensurável, quantificável, separável da pessoa que o "fornece",