Como foi a morte de Diana

Entrevista concedida à repórter Juliana Linhares, publicada nas “Páginas Amarelas” da revista “Veja”, edição 2223 – ano 44 – nº 26 – 29 de junho de 2011

 

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Médico mineiro que ajudou no atendimento à princesa fala sobre as medidas heroicas – e erros de atendimento – no acidente que matou a mulher mais famosa do mundo.

 

Não é possível afirmar que a princesa Diana morreu por ser quem era - sempre pairará uma dúvida cruel: os ferimentos sofridos por ela no acidente de carro em 31 de agosto de 1997 seriam fatais de qualquer maneira ou o resgate demorou mais ainda por envolver a mulher mais famosa do mundo? É possível, porém, sustentar que Diana teve os últimos resquícios de vida intensivamente prolongados porque os médicos dedicaram um esforço excepcional às chamadas medidas heroicas justamente por ela ser quem era. O cirurgião cardíaco Leonardo Esteves Lima, 46, acompanhou os últimos momentos da princesa no Pitié-Salpêtrière, o maior hospital de Paris, onde ele havia feito residência, mestrado e doutorado. Hoje baseado em Brasília, onde é coordenador de cirurgia cardíaca adulta do Instituto de Cardiologia do Distrito Federal. Lima relembra aquela dramática madrugada.

 

Como o senhor foi convocado para tratar da princesa? À 1h30 da madrugada, recebi um telefonema do hospital pedindo que eu me apresentasse para uma emergência. Naquela noite, eu não era o plantonista. Quem estava de plantão na área de cirurgia cardíaca era um dos chefes do departamento, o doutor Alain Pavie. Fui chamado apenas para ajudá-lo. Nessa hora, ninguém me disse que se tratava de um acidente com Diana.

 

Como Diana chegou ao hospital? Entubada e inconsciente. Seu coração ainda funcionava, mas, quando ela entrou no hospital e foi levada para a UTI, teve uma parada cardíaca. Era a segunda daquela noite, como saberíamos depois.

 

Quando aconteceu o que pode ter sido o primeiro erro no atendimento a Diana? O primeiro telefonema feito para a polícia, do local do acidente, foi à 0h26. A ambulância que levou Diana ao hospital só chegou ao Pitié-Salpêtrière às 2h06. Portanto, uma hora e quarenta minutos após o resgate. Vou me ater à minutagem dos eventos do acidente para poder explicar onde é que vemos os possíveis erros. A polícia chegou ao local da batida à 0h30. Dez minutos depois, chegou a equipe médica de resgate. Diana estava presa nas ferragens do carro. Do lado de fora, o médico injetou em suas veias morfina, soro fisiológico e drogas para manter a pressão e a frequência cardíaca. Ela foi removida do Mercedes-Benz à 1 hora da manhã. Nesse momento, teve a primeira parada cardíaca. Ainda na rua, foi reanimada pelo médico. À 1h18, foi colocada na ambulância, que deixou o local à 1h41. Durante a viagem de vinte e seis minutos para o hospital, a ambulância parou por cinco minutos, por ordem do médico, que constatou que a pressão de Diana havia caído dramaticamente. A ambulância viajou em velocidade baixa, por instrução do médico. Quais foram os problemas? Ele decidiu estabilizar a paciente no local, em vez de levá-la de imediato para o hospital. O trajeto entre o local do acidente e o hospital, àquela hora da noite, levaria menos de dez minutos. O que se esperava da equipe é que todas as manobras tivessem sido feitas dentro da ambulância e em movimento. Isso é o que nos Estados Unidos se chama de scoop and run: checar os batimentos cardíacos e correr para o hospital.

 

E por que o médico não fez isso? Eu chamo esse comportamento de síndrome de esmeraldite. Você não pode tratar um paciente, e apenas um, como uma esmeralda. Por ela ser a princesa Diana, ele quis fazer algo melhor do que já fazia. E, se tivesse feito a coisa como sempre fez, talvez a tivesse poupado. O problema é que ela estava com uma hemorragia interna que só poderia ser estancada em um hospital.

 

O médico sabia dessa hemorragia? Sim, porque externamente ela só tinha um ferimento superficial - um pequeno corte no supercílio -, e isso não podia ter causado a parada cardíaca. Ela estava sangrando por dentro, e a única forma de parar o sangramento era abrir o corpo, colocar o dedo em cima do buraco e costurá-lo. Mas houve pelo menos mais um problema. A comunicação entre a ambulância e o hospital falhou. Mesmo tendo conhecimento de que se tratava de um sangramento torácico, o médico não pediu ao hospital, pelo telefone, que um cirurgião especializado na área fosse chamado para compor a equipe que atenderia Diana. Quem teve de fazer a primeira cirurgia a que a princesa foi submetida naquela noite, uma toracotomia, foi um cirurgião-geral, que não é especializado em cirurgia torácica. A toracotomia é um rasgo que, no caso dela, ia da lateral direita do corpo até o meio do peito e que serve para localizar de onde o sangue está vindo. O rasgo foi feito logo abaixo do mamilo; em seguida, com um aparelho chamado finocheto, o médico forçou e afastou as costelas da princesa.

 

Aí também houve erro? Não exatamente. Ele abriu esse lado do peito, porque imaginava que o sangramento viesse do pulmão direito. Quando constatou que vinha, na verdade, do coração, portanto lá do outro lado, pediu a ajuda de um especialista. Diana havia sofrido dois rompimentos. A membrana que envolve o coração, chamada pericárdio, tinha se rasgado do lado direito e o coração, no lado esquerdo, havia se rasgado da veia pulmonar interior esquerda. Essa é a veia que leva sangue oxigenado do pulmão para o coração. Os dois rasgos se deram por causa da batida. Na hora do impacto, os órgãos internos de Diana, que estava sem cinto de segurança, se chocaram contra a parede do tórax e se romperam nesses dois lugares. Em consequência da veia rompida, o sangue vazava para a membrana que envolve o coração e, depois, escapava pelo buraco do pericárdio para o hemitórax direito, onde fica o pulmão direito. A quantidade de sangue que foi para esse pulmão era enorme, cerca de 5 litros. Para uma mulher de 36 anos, isso equivale a quase todo o sangue do seu corpo.

 

O que aconteceu em seguida? Finalmente, o doutor Alain Pavie chegou ao centro cirúrgico. E encontrou uma situação de guerra. Um dos médicos estava com a mão diretamente no coração de Diana, fazendo massagem, outro cuidava da transfusão de sangue, outro dava choques. Pavie completou a abertura do tórax dela, dessa vez até a outra lateral do corpo. Para chegar lá, serrou o esterno, osso que fica no meio do tórax. Quando atingiu o coração, viu que vinha de lá o sangramento e, rapidamente, fechou o buraco. Mas a princesa nunca mais voltou. Há especialistas que ainda veem uma terceira falha no procedimento. Diana poderia ter sido colocada em assistência circulatória, que é uma máquina de coração e pulmão artificial. Mas essa manobra só dá certo quando o paciente é posto na máquina menos de meia hora após a primeira parada cardíaca. Ou seja, só teria funcionado se o socorrista a tivesse levado para o hospital rapidamente.

 

Diana sofreu muito? Logo depois da batida, ela deve ter sentido uma dor violenta por causa dos rompimentos. Mas a dor durou apenas alguns minutos. Diana chegou a dizer algumas frases para o médico que a atendeu na rua (ela disse "O que aconteceu?" e "Meu Deus" diversas vezes). Quando começou a perder sangue, foi ficando inconsciente e a dor parou. Daí em diante, não sentiu mais nada.

 

Onde o senhor estava enquanto as duas operações eram feitas? No centro cirúrgico. O corpo médico se comportava com muito comedimento, mas, dos paramédicos para baixo, era um alvoroço só. Nos corredores do hospital só se ouvia "Lady Di. Lady Di" (fala com a pronúncia francesa, com o som de i no final de Di). Quando entrei na sala, chamado pelo doutor Pavie, os médicos já estavam desistindo das manobras de reanimação. Havia pelo menos vinte pessoas em cima da princesa. Em uma situação normal, elas seriam a metade disso. Os médicos saíam com uma aparência exausta, tirando as luvas encharcadas de sangue. Alguns tinham os olhos fundos e avermelhados de cansaço. Aquela maratona de duas horas (ela foi declarada morta às 4 da manhã) não teria durado mais de uma, não fosse ela uma pessoa famosa. Para mim e para outro colega, sobrou o serviço menor, o de fechar o corpo.

 

O que viu quando se aproximou? A sala media 64 metros quadrados e estava a uma temperatura de 19 graus. Pelo chão havia incontáveis curativos, aventais, tudo manchado de sangue. A princesa se encontrava deitada no centro, com lâmpadas ligadas em cima dela. Metade do tronco estava aberta e coberta de sangue. O corpo já estava gélido. Coloquei minhas luvas e costurei o peito dela. Quando já estava indo embora, uma enfermeira me pediu: “Doutor, coitada, costure o corte na testa dela". O rosto de Diana estava perfeito, só tinha mesmo aquele cortezinho, que eu fechei com pontos de cirurgia plástica, para não deixar cicatriz.

 

Enquanto o senhor fechava o corte, foi possível observar outros detalhes? Era uma mulher muito bonita. Tinha uma pele branquíssima e ainda estava com um pouco de maquiagem, uma sombra azulada nos olhos. Quando eu a vi, eles estavam entreabertos. Em algum momento, veio uma enfermeira e os fechou. Depois, ela foi colocada em um saco plástico e levada para a morgue.

 

Diana estava grávida, como acredita o pai de seu namorado, Dodi al Fayed, que também morreu no acidente? Durante os procedimentos, essa hipótese nem sequer foi aventada. Quando ela entrou no hospital, fizeram, evidentemente, um exame de sangue nela. Mas o teste que detecta gravidez não foi realizado, porque em uma urgência como essa isso não tem a menor importância. A não ser, é claro, que ela estivesse com uma gravidez avançada. E, no momento em que chegou ao hospital, ela não falou nada, porque estava em choque. Na época da tragédia, Lúcia Flecha de Lima (mulher de um ex-embaixador do Brasil na Inglaterra e amiga de Diana) me telefonou para perguntar a mesma coisa.

 

O senhor vê algum fundamento na tese de que houve uma conspiração para matar a princesa? Não. Ela teve o mais empenhado de todos os tratamentos. Mas sei que há muita gente que acredita nisso. Eu mesmo recebi cartas da Interpol, até 2008, querendo saber detalhes do que houve no hospital.

 

O senhor se emocionou com esse caso? Não. Eu não tinha relação alguma com Diana, ela não era minha paciente. Além disso, não tinha aquela euforia que muitas pessoas têm em relação à família real inglesa. Eu nem sabia que Diana estava na França.

 

Qual era o estado de espírito dos médicos quando se reuniram, depois que tudo acabou? Não houve essa reunião. Houve uma debandada. Os médicos tinham outros casos urgentes para cuidar. Além disso, precisavam fazer relatórios dos materiais que foram usados naquelas cirurgias. Tudo precisava ser justificado e reposto. Alain Pavie e outros dois se sentaram para fazer um relatório oficial, já que se tratava de um caso que teria um enorme desdobramento. No fundo, existia um sentimento de impotência, de que muito esforço fora gasto para, no fim, não adiantar nada.

 

O senhor conseguiu dormir naquela noite? Sim. Eu cheguei em casa já de manhã e liguei para o meu pai, que também é cirurgião cardiovascular. Nossa conversa foi médica; ele me perguntou o que havia sido feito, e eu expliquei. Em seguida, contei a história para minha companheira e fui dormir. Médicos cirurgiões estão sempre com sono, porque a gente trabalha muito. Cena vez, eu estava em um jantar e uns ladrões invadiram a festa. Fizeram todo mundo deitar no chão. Enquanto o dono da festa foi obrigado a sair para pegar o dinheiro, eu cheguei a cochilar. Minha mulher quase me matou.

 

Sua reação não mudou depois de ver toda a dimensão que o caso ganhou? Muito pouco. Naquela época, eu já havia operado 6000 pessoas. De lá para cá, operei outras 10000. Mas é claro que foi um momento marcante.

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