BELO MONTE E A NECESSÁRIA AUTOCRÍTICA NACIONAL
Artigo de Afonso Arinos, advogado paraense, sobre Belo Monte:
BELO MONTE E A NECESSÁRIA AUTOCRÍTICA NACIONAL
Nesta semana, a participação do famoso cineasta JAMES CAMERON em manifestações públicas contrárias à construção da Hidrelétrica de Belo Monte gerou manifestações apaixonadas, e na grande maioria contrárias por entender ser uma ingerência externa e sem conhecimento da realidade e interesse amazônida e nacional.
Entendo que a “QUESTÃO BELO MONTE” representa muito mais que a conflituosa relação entre proteção do ecossistema amazônico e desenvolvimento econômico (nacional e regional), se constituindo como um fato que expõe claramente a debilidade do espírito republicano e o nosso fracasso em promover um projeto de nação.
Recentemente ouvi de uma pessoa com muita experiência política, que havia dois tipos de pessoas no Brasil: aqueles que estão se beneficiando do poder e aqueles que estão querendo se beneficiar deste poder, e que as manifestações e ações públicas são sempre influenciadas por este sentimento.
Esta triste, mas honesta afirmação expõe claramente o real problema do Brasil e reflete no caso Belo Monte: FALTA DE CREDIBILIDADE.
Não se justifica a pressa do governo federal - em um ano eleitoral - iniciar a qualquer custo o empreendimento, sem que os estudos ambientais estejam devidamente concluídos e os riscos sócio-ambientais, informados para as populações afetadas.
Talvez o rolo compressor governamental vise atender as demandas de financiadores de campanhas políticas que precisam dispor de recursos (públicos) para fazer as doações aos seus candidatos preferidos.
Não tenho dúvida que o equivocado sistema eleitoral provoca um permanente estado de corrupção que vitima a todos nós cidadãos que pagamos por obras superfaturadas, obras de má qualidade, carga tributária elevada, programas e projetos direcionados para atender a interesses de empresas e corporações e o fracasso de políticas públicas populistas ou inócuas.
E os candidatos? A grande parte já é corrupta (entram na política para se beneficiar de qualquer jeito) ou se corrompe ideológica e/ou ilicitamente pelos compromissos assumidos anteriormente.
A falta de credibilidade das instituições e a corrupção sistêmica geram um cenário tenebroso, que afasta do processo político uma grande quantidade de cidadãos de capacidade profissional, de espírito público e de moral ilibada, contribuindo para a baixa da qualidade dos membros dos Poderes Legislativos, comprometendo a eficiência e independência exigida pela sociedade. Cria-se um abismo de interesses e confiança entre representantes e representados, cujo efeito é a descrença da importância do voto e da democracia.
Por fim, a frustração do cidadão com a política se torna passividade, omissão, conivência e concordância perante os ilícitos praticados de toda a ordem, invertendo completamente a “tábua de valores sociais”, como expõem pesquisa recente em que se aferiu que 80% dos entrevistados admite que já praticou atos de corrupção (como pagar propina para não receber multa de trânsito) e são tolerantes com os que praticam. Pronto: está criado o paraíso na Terra para os Malufs e Arrudas da vida.
Mesmo reconhecendo uma considerável mudança após a criação do Conselho Nacional do Judiciário-CNJ e da alvissareira atuação proativa da atual direção nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, a atuação do Poder Judiciário brasileiro contribui decisivamente para que o sentimento de impunidade prolifere no seio da sociedade. No Brasil prevalece o sentimento que a corrupção e a vilania compensam os riscos, pois a punição se perderá no tempo e nos corredores dos tribunais, em razão da ineficiência do sistema, mas, sobretudo da parcialidade de Ministros e Desembargadores, muitas vezes devedores pela indicação ao cargo ao Chefe do Poder Executivo através das famosas listas tríplices.
Portanto, ao constatar que nossos governantes e representantes são fruto de um sistema equivocado que promove a corrupção, que o Poder Judiciário é parcial e ineficiente e que a sociedade brasileira vive em estado de omissão e conivência, não resta outra conclusão, senão a confirmação que a República brasileira está com grave doença degenerativa, cujo preço pode ser pago pelas próximas gerações e que continuaremos a viver de pequenas conquistas transitórias dos programas assistenciais, acreditando que um dia o futuro sonhado chegará por simples obra de Deus.
Belo Monte está inserida neste contexto de degeneração política e falta de credibilidade.
Sou paraense e amazônida, morei anos em São Paulo e, sei e concordo que a maioria daqueles que falam sobre a Amazônia em sua defesa, a conhecem através dos livros e internet (gostaria muito ver a Cristiane Torloni e o James Cameron passando uma semana de inverno viajando pela Rodovia Transamazônica ou habitando com ribeirinhos do Rio Xingu, sem energia, sem serviço de saúde, sem educação, fazendo do rio sua geladeira e seu esgoto).
Concordo que os 25 milhões de brasileiros que moram na região amazônica têm os mesmo direitos de buscar a realização de seus sonhos e explorar suas potencialidades individuais, de forma igual àqueles que moram em São Paulo, Rio de Janeiro, Paris ou Londres.
Temos direito ao desenvolvimento sustentável. Temos direito a implantar empreendimentos grandiosos, respeitando a legislação ambiental vigente e o cumprimento das recomendações para mitigar os danos ambientais, porém é neste ponto que Projeto de Belo Monte apresenta sua fragilidade: Quem acredita ou confia que o Governo Federal vai construir apenas esta hidrelétrica no Rio Xingu? Será que o complexo de quatro hidrelétricas na região foi abandonado? Será que a açodamento governamental em um ano de eleição presidencial não influenciou na concessão de licença prévia ao empreendimento, mesmo com recomendações técnicas que há necessidade de mais estudos para aferir os impactos ambientais pela mudança na vazão do rio?
O projeto Belo Monte está “envolto em um manto de omissões e meias verdades”, como:
1. O fato de que os índios da região e as comunidades diretamente afetadas não terem sido ouvidos em audiências públicas: Realizar audiência pública no município de Brasil Novo, que não será afetado em nada com a construção da hidrelétrica e em Belém, que dista 400 quilômetros distantes do local, teve como objetivo burlar a exigência da legislação.
2. A omissão do fato que o impacto ambiental da construção da hidrelétrica pode ser bem menor que a abertura de áreas de floresta para instalar centenas de quilômetros de rede de distribuição.
3. A omissão do fato que boa parte da produção energética de Belo Monte poderia ser obtida com a eficientização e a instalação da quarta turbina da hidrelétrica de Tucurui.
4. A omissão do fato que a capacidade de geração de energia do Projeto atual é insuficiente e economicamente inviável e que exigirá a médio prazo sua ampliação ou construção de novas hidrelétricas.
5. O fato de apenas um percentual mínimo dos recursos a serem investidos que beneficiarão efetivamente o Estado do Pará, conforme dispõe o próprio relatório de impacto ambiental, por incapacidade do Estado em atender a demanda.
Falar de Belo Monte no Pará faz muitos olhos brilharem pelas aparentes vantagens que o empreendimento desta envergadura sugere, porém, a verdade é que não há como saber se o povo do Pará vai ganhar ou perder.
Não sabemos se vamos continuar somente sendo expropriados de nossas riquezas naturais em nome do desenvolvimento nacional (do sul e sudeste). Talvez continuemos recebendo migalhas das grandes corporações até que tudo se acabe e que todos os recursos forem embora. Restará aos amazônidas como aos nordestinos, olhar para os céus e rezar por dias melhores como antes, que não voltarão mais.
Não sou contra a Hidrelétrica de Belo Monte, mas discordo da pressa governamental e receio pela insegurança que há no cumprimento e eficácia das condições de mitigação dos danos ambientais.
Ah!E o James Cameron? Definitivamente não tem a menor importância...
AFONSO ARINOS DE ALMEIDA LINS FILHO, advogado Membro do Diretório Estadual do PMDB/PA e membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB/PA