Em defesa da democracia: A vontade da maioria
Autor: Advogado Inocêncio Mártires
Os candidatos Jader Fontenelle Barbalho e Paulo Roberto Galvão da Rocha concorreram na condição de sub-judice, traduzindo, dia em que realizado o pleito, os respectivos registros de candidaturas estavam indeferidos por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. A despeito desse fato, foram sufragados pelo eleitorado paraense, obtido nominalmente a seguinte votação:
JADER FONTENELLE BARBALHO 1.799.762
PAULO ROBERTO GALVAO DA ROCHA 1.733.376
Soma 3.533.138
A Comissão Apuradora do pleito do Tribunal Regional Eleitoral do Pará proclamou os candidatos Fernando Flexa Ribeiro e Marinor Brito como eleitos ao cargo de Senador da República. Tal conclusão, ao nosso modo de ver, desatende princípios Constitucionais e o disposto no artigo 224 do Código Eleitoral que impõe a renovação do pleito ao cargo de Senador.
Explico!
A norma eleitoral que rege a matéria em debate é de clareza pedagógica:
Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais, ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.
Os votos conferidos aos candidatos Jader Barbalho e Paulo Rocha (3.533.138) se encontram, no presente estágio, tecnicamente na condição de nulos, por força do disposto no artigo 175, § 3º [1] do Código Eleitoral, reforçado pelo contido no artigo 147 [2] da Resolução TSE 23218 em decorrência do indeferimento dos respectivos registros de candidatura ser contemporâneo ao dia do pleito.
Essa votação somente será validada em caso de reversão da decisão do TSE, para um dos candidatos ou ambos, pelo Supremo Tribunal Federal. Mantido o indeferimento dos registros o resultado prático será a renovação do pleito para os dois cargos de senador.
Enfatize-se que os números são induvidosamente reveladores. Os candidatos Jader Barbalho e Paulo Rocha obtiveram conjuntamente 849.441 votos acima dos demais concorrentes (Flexa Ribeiro, Marinor Brito, João Augusto, Paulo Braga e Abel Ribeiro).
A Resolução 23218 editada pelo Tribunal Superior Eleitoral e que deve ser compulsoriamente observada pelos Tribunais Regionais é veementemente explicita quanto à necessidade de renovação do pleito em situação com a que se apresenta. Eis o dispositivo:
Art. 169. Nas eleições majoritárias, respeitado o disposto no § 1º, do art. 166 desta resolução, serão observadas, ainda, as seguintes regras para a proclamação dos resultados:
I – deve o Tribunal Eleitoral proclamar eleito o candidato que obteve a maioria dos votos válidos, não computados os votos em branco e os votos nulos, quando não houver candidatos com registro indeferido, ou, se houver, quando os votos dados a esses candidatos não forem superiores a 50% da votação válida;
II – não deve o Tribunal Eleitoral proclamar eleito o candidato que obteve a maioria da votação válida, quando houver votos dados a candidatos com registros indeferidos, mas com recursos ainda pendentes, cuja nulidade for superior a 50% da votação válida, o que poderá ensejar nova eleição, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral;
III – se a nulidade dos votos dados a candidatos com registro indeferido for superior a 50% da votação válida e se já houver decisão do Tribunal Superior Eleitoral indeferitória do pedido de registro, deverão ser realizadas novas eleições imediatamente; caso não haja, ainda, decisão do Tribunal Superior Eleitoral, não se realizarão novas eleições;
Note-se que a eleição para o Senado da República é majoritária por força de dispositivo Constitucional (CF/88, artigo 46 [3]). Por outro lado, o sistema democrático adotado no País (CF/88, artigo 1º, parágrafo único [4]) reclama a idéia que se privilegie a vontade da maioria.
Assim, proclamar a validade do pleito para o cargo de Senador da República seria desatender a manifestação da maioria. Com o perdão da necessária insistência, a esmagadora maioria dos eleitores que compareceram ao sufrágio em 03.10.2010 no Estado do Pará escolheu candidatos que por força de decisão judicial tiveram seus votos provisoriamente acondicionados na categoria de “nulos”.
Caso esse quadro se mantenha no STF, o pleito quanto ao cargo de Senador da República no Estado do Pará deverá ser declarado prejudicado, com a designação de nova data para renovação dessa eleição.
Reconheço que o tema em análise é raro, porém não é inédito!
O Supremo Tribunal Federal equacionou situação jurídica semelhante, concluindo pela compulsoriedade de se renovar a eleição para determinado cargo majoritário, quando o resultado do processo eleitoral apontar que a maioria absoluta dos sufrágios – metade mais um dos votos dos eleitores que compareceram a votação - foi consignado em benefício de candidatura sem registro deferido no dia da eleição. Eis o precedente:
EMENTA: Eleições majoritárias: nulidade: maioria de votos nulos, como tais entendidos os dados a candidatos cujo registro fora indeferido: incidência do art. 224 C. El., recebido pela Constituição. O art. 77, § 2º, da Constituição Federal, ao definir a maioria absoluta, trata de estabelecer critério para a proclamação do eleito, no primeiro turno das eleições majoritárias a ela sujeitas; mas, é óbvio, não se cogita de proclamação de resultado eleitoral antes de verificada a validade das eleições; e sobre a validade da eleição - pressuposto da proclamação do seu resultado, é que versa o art. 224 do Código Eleitoral, ao reclamar, sob pena da renovação do pleito, que a maioria absoluta dos votos não seja de votos nulos; as duas normas - de cuja compatibilidade se questiona - regem, pois, dois momentos lógica e juridicamente inconfundíveis da apuração do processo eleitoral; ora, pressuposto do conflito material de normas é a identidade ou a superposição, ainda que parcial, do seu objeto normativo: preceitos que regem matérias diversas não entram em conflito.
(STF, RMS 2323/AM, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 02/10/1998, Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação: DJ 20-11-1998 PP-00024 EMENT VOL-01932-01 PP-00068.
Permito-me realçar - até mesmo para conforto da lógica jurídica - que a operação aritmética realizada, tendente a demonstrar que para a eleição ao cargo de Senador da República no Estado do Pará não alcançou a desejada maioria absoluta dos votos, que não foi computado no cálculo aqueles sufrágios originariamente nulos, ou seja, não se agregou os votos nulos decorrentes de manifestação apolítica aos dos candidatos sub judice.
A equação matemática confrontou, tão-somente, os votos nominais de cada grupo de candidatura e assim o resultado da operação revelou que os candidatos sub judice – sem registro deferido no dia do pleito - superaram aqueles conquistados pelos demais candidatos com registro deferido na data da eleição.
Sendo mais preciso, os candidatos Jader Barbalho e Paulo Rocha obtiveram conjuntamente 849.441 votos além daqueles conquistados pelos candidatos Flexa Ribeiro, Marinor Brito, João Augusto, Paulo Braga e Abel Ribeiro.
Em conclusão: caso o Supremo Tribunal Federal mantenha a decisão do Tribunal Superior Eleitoral quanto ao indeferimento das candidaturas de Jader Fontenelle Barbalho e Paulo Roberto Galvão da Rocha, haverá a imperiosa e compulsória necessidade de renovação do pleito para suprir as duas vagas de Senador da República pelo estado do Pará.
Qualquer deliberação em sentido contrário resultaria jurar de morte o princípio democrático, permitindo que a vontade da minoria dos eleitores que compareceram ao sufrágio em 03.10.2010 sobressaia sobre a maioria.
Quem cultiva o bom hábito de prezar pela democracia não se sentirá confortável com tal cenário. Aguardemos a decisão do Supremo Tribunal Federal quanto aos registros dos candidatos sub judice no Pará. Mantido o indeferimento dos registros, passaremos a nova etapa, como a renovação do pleito para o Senado, afinal, defender a democracia também é um ato ficha limpa.
[1] Artigo 175 -..........omissis..........
(...)
§ 3° - Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.
[2] Art. 147. Serão nulos, para todos os efeitos, inclusive para a legenda, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados (Código Eleitoral, art. 175, § 3º, e Lei nº 9.504/97, art. 16-A).
[3] Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.
[4] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.