Uma ameaça à livre expressão*

Autor: Geoffrey R. Stone (Professor de direito da Universidade de Chicago-EUA)

 

geoffrey

Um projeto de lei apresentado recentemente a ambas as Casas do Congresso americano em resposta às revelações do WikiLeaks, constituiria uma emenda à Lei de Espionagem de 1917, tornando crime a disseminação consciente e deliberada, por qualquer pessoa e "de maneira prejudicial para a segurança ou os interesses do país", de informações sigilosas "referentes às atividades de espionagem dos Estados Unidos".

 

Embora a lei proposta possa ser constitucional quando aplicada a funcionários do governo que ilegalmente divulgam essas informações sensíveis para pessoas que não estão autorizadas a obtê-las, representaria uma violação da Primeira Emenda - permitindo a punição de indivíduos que poderiam divulgá-las ou fazê-las circular. No mínimo, a lei deve se limitar expressamente a situações nas quais a divulgação de informações sigilosas constituísse um claro e iminente perigo de graves danos para a nação.

 

A norma referente a um perigo claro e iminente é um elemento fundamental da jurisprudência sobre a Primeira Emenda desde a sentença emitida pelo juiz Oliver Wendell Holmes, em 1919, no caso Schenk versus os Estados Unidos. Nos 90 anos seguintes, o significado preciso do termo "perigo claro e iminente" evoluiu, mas o princípio no qual ele se baseia foi expresso de maneira brilhante pelo juiz Louis D. Brandeis no parecer em que concordava com a sentença anterior no caso Whitney vs. Califórnia, de 1927.

 

Os fundadores do país "não exaltaram a ordem em detrimento da liberdade", escreveu Brandeis. "Ao contrário, eles compreenderam que somente uma emergência pode justificar a repressão. Essa deve ser a norma para que a autoridade se concilie com a liberdade. Essa é a exigência contida na Constituição. Portanto, haverá sempre a possibilidade de os americanos contestarem uma lei que reduza a liberdade de expressão e reunião mostrando que não existe nenhuma emergência que justifique tal medida."

 

Por outro lado, a Primeira Emenda não obriga o governo à transparência. Ela deixa ao governo uma extraordinária autonomia para proteger seus segredos. Não concede a ninguém o direito de obrigar o governo a revelar informações sobre suas ações ou estratégias e concede ao governo considerável autoridade para limitar a possibilidade de expressão dos seus funcionários.

 

Entretanto, o que ela não faz é permitir que o governo suprima a liberdade de expressão de outros cidadãos, uma vez que não tenha conseguido guardar seus próprios segredos.

 

Devemos entender isso como o privilégio que se estabelece entre advogado e cliente. Se um advogado revela as confidências do seu cliente a um jornalista, pode ser punido por violar este privilégio - mas o jornal não pode ser punido segundo os termos da Constituição por publicar essas informações.

 

Existem excelentes razões pelas quais é importante dar ao governo pouca autoridade para punir a circulação de informações divulgadas de maneira ilegal.

 

Em primeiro lugar, o simples fato de que esta informação pode "prejudicar os interesses dos Estados Unidos" não significa que o perigo seja superior ao benefício da divulgação; em muitas circunstâncias, isto pode ser extremamente importante para que os cidadãos tenham conhecimento da real situação. É o caso, por exemplo, das informações sigilosas sobre a inexistência de armas de destruição em massa no Iraque.

 

Em segundo lugar, os motivos pelos quais as autoridades querem manter segredo são muitos e variados: desde os realmente irrefutáveis até os claramente ilegítimos. Como aprendemos ao longo da nossa história, frequentemente as autoridades sentem-se tentadas a exagerar a necessidade de sigilo, principalmente em momentos de ansiedade nacional. Uma norma rigorosa referente ao perigo claro e iminente - e não uma ineficiente e imprevisível avaliação caso a caso do perigo em relação ao benefício - estabelece uma forte barreira para nos proteger contra este perigo. E finalmente, um princípio básico da Primeira Emenda é que a supressão da liberdade de expressão deve ser o último recurso, do governo, e não o primeiro, ao procurar solucionar um problema. A maneira mais óbvia de o governo prevenir o perigo representado pela divulgação de material sigiloso está, fundamentalmente, em assegurar que as informações que devem ser mantidas em sigilo não vazem de modo algum.

 

Na realidade, a Suprema Corte deixou muito claro isso em 2001, em sua sentença no caso Bartnicki vs. Vopper, ao afirmar que quando um indivíduo recebe uma informação "de uma fonte que a obteve de maneira ilegal", esse indivíduo pode não ser punido por divulgar publicamente a informação "na ausência de uma necessidade (...) mais imprescindível".

 

A Corte explicou que, se as sanções agora previstas pelo código penal vigente "não representam uma forma de dissuasão suficiente", talvez devam ser "mais rigorosas" - mas "seria muito importante destacar" que um indivíduo pode ser punido, sob a Constituição, simplesmente por divulgar informações pelo fato de o governo não ter "dissuadido a conduta de terceiros que desobedeceram à lei". É uma solução sensata.

 

Se concedermos ao governo poder excessivo para punir os que divulgam informações, correremos o risco de sacrificar a capacidade de decisão do público; se concedermos ao governo um poder limitado para controlar a confidencialidade na fonte, o que será sacrificado será o sigilo. A solução está portanto em conciliar os valores irreconciliáveis do sigilo e da responsabilidade, garantindo ao mesmo tempo ao governo a firme autoridade de proibir o vazamento de informações e, aos outros, um direito mais amplo de divulgar informações ao público.

 

* Artigo publicado originalmente no “The New York Times” e reproduzido em “O Estado de S. Paulo”, traduzido por Anna Capovilla.

Postagens mais visitadas deste blog

Como foi a morte de Diana

As 14 Estações da Via Crucis

NOTA DE REPÚDIO DA OAB – SUBSEÇÃO DE RONDON DO PARÁ