Entrevista de Bruno Daniel Filho

Entrevista concedida ao repórter Fausto Macedo, publicada em “O Estado de S.Paulo”.

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O que o fez retornar?

Não consegui integração profissional estável na França, com tudo o que decorre disso. Trabalhos tinham caráter precário, período muito ruim. E também em função de sentir muita falta de meus parentes, amigos e das instituições onde eu trabalhava, todos muito solidários.

Recapitule os momentos críticos que o fizeram sair.

As maiores dificuldades que sentimos antes de nossa partida deveram-se a ter que lidar com ameaças, especialmente quando começaram a se dirigir a nossos filhos e após a morte do médico legista Carlos Del Monte Printes, em 2005. Resolvemos não arriscar mais e continuar nossa luta pela elucidação do caso do exterior. Na história recente de nosso País, várias pessoas conhecidas que receberam ameaças foram executadas.

Como foram esses anos longe da sua gente?

Foram muito mais difíceis do que poderia imaginar. Obtivemos refúgio estatuário do Estado francês. Pudemos, em função dele, viver praticamente como os cidadãos desse país que tem tantas coisas boas e ao qual tanto devemos. Mas está muito longe do que costumamos idealizar. Além disso, está em crise desde meados da década de 70, agravada a partir de 2008. Isso dificultou nossa integração ao país e tornou nossa vida muito penosa. Recebemos solidariedade também de amigos que lá fizemos, mas ficar longe de nossa gente, de nossa cidade, do Brasil, é terrível. Os laços antigos são fortes demais. Os novos laços construídos são ótimos, mas têm características diferentes. Não se substituem.

Qual é a sua rotina?

Não há um ato específico a destacar após meu retorno. Há um conjunto de providências adotadas para reconstruir nossas vidas após tanto tempo, como, por exemplo, a retomada de contatos com parentes, com nossos antigos amigos e instituições e a retomada de trabalho. Não há como não ficar emocionado e grato com a acolhida que tenho tido. Não tenho rotina definida e procuro evitá-la.

Ainda recebe ameaças?

Se voltarmos a recebê-las, vamos refletir sobre o que fazer.

A Justiça condenou apenas um acusado. O mandante apontado pela promotoria, Sérgio Sombra, não foi julgado.

A condenação desse acusado é altamente auspiciosa, pois o júri popular tomou essa decisão acatando as teses do Ministério Público, não as do Departamento de Homicídio. Há ainda nossa expectativa de que os demais indiciados sejam encaminhados a júri popular e novamente prevaleçam as teses do Ministério Público. Se isto ocorrer, novos fatos podem vir à tona, quem sabe dando origem inclusive a novos indiciamentos e condenações, até aqui inesperados para muitos. Mas tudo isto tem sido lento demais.

A que atribui essa situação?

Nossas instituições precisam ser reformadas, leis precisam ser aperfeiçoadas. O direito de defesa é sagrado, mas parece que certas leis e ritos permitem àqueles que podem pagar "a peso de ouro" certos escritórios de advocacia, postergar julgamentos indefinidamente. Justiça que tarda não é Justiça. Por que tantos outros casos já chegaram a seu final e este tem demorado tanto?

Como vê agora o País?

Embora tenha acompanhado de longe o que tem ocorrido no Brasil, tenho que voltar a reconhecê-lo. Tenho me encontrado com pessoas bastante contentes com a evolução do País, mas outras muito descontentes, algumas delas até sem ação, especialmente em caráter coletivo, apresentando um grande sentimento de mal-estar, apesar de poderem usufruir de bons níveis de consumo. Sinto que tais sentimentos opostos podem ser compreendidos por grandes ordens de questões.

Quais?

Do ponto de vista institucional, algumas coisas pioraram, fazendo com que parte das pessoas perca a esperança de um futuro melhor. Os desequilíbrios entre os Poderes da República são imensos. Talvez tenham se aprofundado e parece-me que o crime organizado tem avançado; nossa mídia é, em geral, de qualidade bastante discutível e tem atingido níveis ainda inferiores. Parte dela é concessão do governo. Os Poderes Legislativo e Judiciário estão em crise e piores. Poderes Executivos atropelam decisões de instâncias participativas, ferindo a Constituição. Desviam recursos públicos, contratando ONGs e empresas irregularmente. Separa-se pouco o público do privado. Altos funcionários públicos enriquecem supostamente prestando consultorias ao setor privado. O Estado funciona mal, apesar de termos eleições regulares e imprensa formalmente livre.

O que o frustra mais?

O assassinato de meu irmão e a evolução das investigações são emblemáticos. Dez anos depois, muitos morreram, o trabalho da polícia foi muito ruim e apenas um dos indiciados foi a júri popular. A investigação e os indiciamentos do Ministério Público sobre a obtenção ilícita de recursos para financiar campanhas e enriquecer a alguns ilicitamente não deram lugar a qualquer condenação. De lá para cá, nenhuma mudança no sistema de financiamento de campanhas surgiu e os escândalos não param de ocorrer.

Questionam no STF o poder de investigação do Ministério Público.

Vivemos um risco iminente de retrocesso institucional ligado a uma decisão ainda pendente no STF relativa ao questionamento dos poderes de investigação do Ministério Público. Conclamo a todos a ficarem vigilantes em torno desse tema. Não é somente o caso do Celso que está em jogo. É possível verificar melhoras pontuais e às vezes significativas para grande parcela de brasileiros em outros campos, mas me parece que continuamos com gravíssimos problemas.

Não há avanços?

As desigualdades continuam abismais. Apesar da lenta melhora do índice de Gini, não é possível esconder a dramática situação da distribuição funcional da renda e das demais desigualdades. A despeito de certos avanços, entre os quais se destacam o aumento do salário mínimo, acesso a crédito, a programas de transferência de renda e, consequentemente, melhoria nos padrões de consumo de muitos, nossos sistemas de educação, saúde, habitação e transportes continuam muito precários. O País se desindustrializa, investe pouco e inova muito menos do que o necessário. Nossos problemas ambientais se agravam, crescemos muito menos do que outros países emergentes.

São conflitantes as versões sobre o assassinato de Celso.

Concordo com as provas do Ministério Público que indicam crime planejado, que houve mandantes e que havia na cidade um esquema de arrecadação ilícita de recursos para financiar campanhas eleitorais, fato aliás relatado a mim e a meu irmão João Francisco por Gilberto Carvalho (hoje ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência), como declarei na CPI dos Bingos, em 2005. Creio também que Celso não admitia que tais recursos fossem utilizados para enriquecimento pessoal.

João Francisco denunciou à promotoria que ouviu de Gilberto Carvalho a revelação de que dinheiro da corrupção era levado ao então presidente do PT, José Dirceu.

Trata-se de algo que, sem dúvida, deveria ser investigado.

O PT os abandonou?

Tivemos que resolver o problema de duas mortes. A morte do Celso e a morte simbólica da maioria dos nossos antigos companheiros do PT. Apesar de todas as evidências, o PT sustentou a tese do crime comum. As promessas e os compromissos de agir nunca foram concretizados. Cito três honrosas exceções de lideranças petistas: Ricardo Alvarez (ex-vereador em Santo André, hoje no PSOL), Hélio Bicudo (sem partido) e Eduardo Suplicy (senador).

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